Porque as histórias são chaves para transformar nossas vidas
Você já pensou o que as histórias contém para serem chaves para transformar sua vida? Você tem alguma ideia com isso acontece dentro de você? Afinal todos nós contamos histórias todos os dias e temos oportunidades geniais ao compreendermos melhor como os contos podem nos ajudar a criar novos caminhos.
Nesse artigo vou falar um pouco do potencial transformador das histórias e te dar alguns exemplos de como faço essas conexões para ampliarmos nosso olhar e construirmos caminhos poéticos. Ou seja, trazer umas pitadas de encantamento para o dia a dia e deixar claro que os contos formam um caminho belo de infinitas possibilidades. Sabe por quê?
Porque as histórias podem durar alguns minutos e tem o potencial de transformar você e seu olhar da vida. Elas são condutoras de sabedorias milenares, de valores humanos, de imagens e símbolos. Elas são capazes de nos orientar o caminho para compreendermos onde estamos e como seguirmos nossas jornadas. Além disso, as histórias nos mostram que nossas próprias narrativas de vida podem ser olhadas de um novo ângulo.
De alguma forma além da lógica, as histórias penetram nosso corpo, acessam nossa alma e nos levam ao vazio interno onde a imaginação e a criatividade habitam. Elas trazem vida ao encantamento, a magia, as possibilidades que a realidade concreta não permite existir.
Vocês já devem ouvido falar de alguma forma sobre a jornada do herói. Esse conteúdo é amplamente aprofundado no livro O Poder do Mito, de Joseph Campbell e destrinchado de forma peculiar no livro O Herói de Mil Faces do mesmo autor. Neles encontramos algumas respostas das claras percepções do mitólogo.
Uma delas registrada por Bill Moyeres, diz assim:
” Quando dizia que os mitos são chaves para a nossa mais profunda força espiritual, a força capaz de nos levar ao maravilhamento, à iluminação e até ao êxtase, ele se expressava como alguém que tinha estado nos lugares que convidava os outros a visitar. ”
Essa frase resume bem tudo isso que vou contar sobre como olhar os contos como chave para transformar sua vida.
A partir desse ponto de vista, o desafio do contador de histórias é esse de conduzir os ouvintes para esse lugar dentro de nós e trazê-los de volta. Quando trabalhamos para despertar o nosso narrador interno, ou seja, a voz do narrador que está em absoluta conexão nesse espaço está construindo uma trilha, um caminho para esse lugar. Para irmos lá de forma autônoma sempre que desejarmos e voltar para nossa realidade a partir de nós mesmos com respostas e compreensões de como seguir a jornada e atravessar seus desafios. Às vezes o que vamos buscar lá é como perceber a ajuda, ou também de que maneira celebrar nossas conquistas e aprendizados distribuindo para o mundo uma atitude mais coerente com o que pensamos sentimos e fazemos.
Existem diversos estudiosos, pensadores, filósofos, antropólogos, sociólogos, psicólogos e outros especialistas que estudam a arte de contar histórias. Existem ainda artistas incríveis que realizam essa arte de forma brilhante. A forma que eu escolhi para trabalhar como contadora de histórias é para abrir espaços de construção de caminhos poéticos. Caminhos de harmonização das questões internas, da experiência com as das forças revitalizadoras da imaginação e do fortalecimento da liberdade de ser quem somos.
Claro que todas as formas de contar histórias têm em si um potencial curador, mas quando você faz isso de forma mais consciente você traz outras ferramentas e oportunidades para você e para os ouvintes. O resgate da narração de histórias traz luz a esse momento do mundo.
Estamos em tempos de renascimento. Para diversas culturas esse tema tem sido assunto e tido diferentes formas de representações. Na essência todas elas de alguma forma simbólica, nos ensinam em como transitar da morte para vida, da sombra para luz, da escravidão para liberdade, da submissão para autonomia.
Nos contos, esses símbolos aparecem nos permeiam e nos encantam com a possibilidade de uma abóbora se tornar uma carruagem com um passe de mágica. Na vida real somos nós que precisamos vislumbrar essa possibilidade para transpor o que nos parece impossível e realizar nossos sonhos. Mágicas misteriosas podem acontecer, mas precisamos primeiro acreditar e em seguida fazer a nossa parte para que elas aconteçam.
Afinal, de uma forma ou outra somos cercados pela dualidade. Seja pela obviedade das diferentes características do dia e da noite, seja pelas forças do feminino e do masculino. O que pouco observamos é que tudo isso é integrado de forma holística no ciclos vida-morte-vida, os quais acontecem em tempo integral na natureza a nossa volta. Essa observação afirma o tempo todo: Absolutamente tudo vai passar.
Muitas vezes desconsideramos o poder da decomposição, o poder da morte como luz e transformação. Esse fato aparece nos contos de forma empírica e auxilia a percepção de como o fim é também começo. Se um lado, somos preenchidos de êxtase por outro somos dominados pelo terror, afinal nesse momento do mundo precisamos ser belos e jovens sempre. Isso faz com que algumas pessoas se esquecem da dualidade interna. Acreditamos sermos somente boas ou somente más pessoas, somente vida ou somente morte em algumas situações.
Sendo assim, quando contamos histórias com personagens complementares, apresentamos essas chaves transformadoras da vida. Os contos de fada nos ajudam a compreender também essa dualidade interna, onde somos A Bela e A Fera ao mesmo tempo. Eles nos amparam na aceitação amorosa da nossa Fera e nos fazem renascer.
É esse renascimento, no qual existe a integração interna das partes do feminino e do masculino, do mau com o bom, da vida com a morte, da noite com o dia que nos faz sermos felizes para sempre.
Esse trabalho é continuo de camadas e camadas da nossa personalidade nos mais variados aspectos da vida. À medida que vamos amadurecendo, vamos tendo compreensões mais profundas. Então obviamente não podemos esperar de uma criança essa compreensão nessa magnitude, mas quando contamos histórias para elas vamos arando a terra e semeando sabedorias onde elas terão onde buscar em sua fase adulta.
Sendo assim, cabe a cada um de nós buscar caminhos que nos levem ao que for necessário para encontrarmos o encantamento que nos permitirmos a sermos inteiros. Olhar para histórias como chave para transformar a vida é buscar nosso conto, como nos conta o magnifico Tahir Shah, em seu livro Nas Noites Árabes uma Caravana de Histórias.
Não existe biografia nesse mundo que não esteja traçada em algum mito já escrito e por isso, essas jornadas de alguma forma tocam o que precisam ser tocado e conduzem o ser humano a sua própria narrativa.
Mas, como tudo na vida o encantamento também tem lado seu negativo. Quando o encantamento se torna uma ilusão, ele é sombrio. Ele nos congela e nos impede de agir, ele nos impede de ouvir o verdadeiro chamado para que possamos cumprir a nossa jornada. Iludido nós queimamos todas as nossas oportunidades de atuar alinhados com nosso ser e corremos um sério risco de cairmos na vítima da vida ou no jogo da auto piedade. Ficamos esperando um milagre, alguém que faça por nós, enquanto morremos aos poucos.
No conto da Menina dos Fósforos esse ensinamento fica claro, mesmo que não perceptível de inicio. Para muitas pessoas a primeira percepção é de pena da menina, de como a vida foi injusta com ela. À medida que você vivência o conto você percebe outras camadas e o quanto as nossas escolhas transformam nossa vida.
Para perceber essas camadas é de extrema importância estudar as histórias mais profundamente, antes de julgarmos seus conteúdos. Para o dia a dia em outras funções não é necessário aprofundar tanto, mas quando pretendemos contar histórias com o objetivo de telas como chaves para transformar a vida, é preciso outro tipo de mergulho.
Precisamos nos apropriar da história, conviver com ela. Recolher suas imagens, sentir seus cheiros, ouvir as folhas sendo pisadas pelo herói. É preciso encontrar onde essas imagens habitam dentro e permitir as histórias trabalharem com sua forma misteriosa, emocionante e entregar a elas o aval de nos mostrar o que de fato faz sentido na realidade dura e concreta.
Então, esses são alguns aspectos que tornam os mitos e os contos veículos para te levar para uma experiência profunda à medida que você cria intimidade com eles. E como nos diz Clarissa Pinkola Estés, escritora e psicanalista analítica, nas primeiras paginas do seu livro Contos dos Irmãos Grimm ,
“Quer entendemos um conto de fadas cultural, cognitiva ou espiritualmente – ou de outras maneiras, como quero crer -, resta uma certeza: eles sobrevieram à agressão e à opressão políticas, à ascensão e queda de civilizações, aos massacres de gerações e as vastas migrações por terra e mar. Sobreviveram a argumentos, ampliações e fragmentações. Essas joias multifacetadas tem realmente a dureza de um diamante, e talvez nisso resida o seu maior mistério e milagre: os sentimentos grandes e profundos porque vêm direto do coração, ou da fidelidade a Deus, ou de uma grande intuição, ou de uma magnífica imaginação.”
Espero ter trazido respostas ao porque as histórias são chaves para transformar a vida desde os primeiros seres humanos sentados ao redor do fogo ouvindo uns aos outros.